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Mundos e Fundos-Estado da Arte da Agenda Crescimento Europeia.

por Faust Von Goethe, em 24.11.12

O debate em torno dos fundos europeus está ao rubro tanto a nível europeu como a nível da imprensa nacional. Os argumentos, esses são os do costume, que vão desde o célebre “são os países mais ricos como França e Alemanha que mais lucram com orçamento comunitário”, passando pelo célebre argumento “não precisamos de tanto dinheiro, precisaremos, isso sim, de o saber gastar”.

Ambos os argumentos, embora aparentemente convincentes, não passam de meros slogans populistas do jornalismo político-económico, pecando por não tocar no problema de fundo, que de modo algum pode ser alienado da discussão subjacente ao orçamento plurianual 2014-2020: reindustrialização como motor de aceleração do crescimento económico.

Uma das principais dificuldades à cabeça das negociações deve-se às diferenças de coordenação entre Zona Euro e União Europeia, o que impossibilita o avanço para uma política orçamental comum. Dada a degradação e consequente fragmentação do entendimento polítíco, tal entendimento não passa de uma utopia. Por outro lado, nos países em dificuldades, como é o caso dos países periféricos, há uma necessidade emergente de se redireccionar de factores produtivos dos sectores de bens não transaccionáveis-como serviços imobiliários-para sectores de bens transaccionáveis-como a produção de automóveis.

Tal estratégia já está incluída no programa de ajustamento Português, e é muito semelhante à famigerada Agenda 2010 germânica [da autoria do governo coligação SPD-Verdes liberado por Gerhard Schroeder]. O ónus de tal ajustamento assenta redução significativa dos custos laborais, na restruturação do tecido produtivo, e na geração de desemprego estrutural. O objectivo base deste ajustamento visa a encolher os sectores que menos contribuem para as exportações.

No entanto, tal modelo não entre em linha de conta com a revolução cibernética dos últimos 5 anos, que vai desde o universo web 2.0 ao mundo emergente dos aparelhos móveis de geração 3G e 4G, cujo contributo para o crescimento em termos de PIB tem ficado muito aquém da revolução dos transportes ou até mesmo da máquina a vapor.  Acresce que, com o envelhecimento da população europeia, a busca de serviços tem-se sobreposto à produção de bens, pelo que o desemprego estrutural-como aquele que está a ser promovido pelas actuais políticas- contribui para a degradação do mercado laboral uma vez que temos simultaneamente jovens e pessoas na idade de pré-reforma (e até mesmo, idosos) à procura de trabalho.

Estes são alguns dos problemas e dilemas que deveriam ser tomados em linha de conta a quando da reprogramação dos fundos europeus assim como do orçamento plurianual para o período 2014-2020.

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publicado às 12:07

Portugal e o tabu dos comes e bebes...

por John Wolf, em 02.11.12

  

Sou um voyeur de insignificâncias. Mas tudo somado pode ser que seja uma pechincha. Consumo pequenas observações e vejo repetidamente o mesmo filme. Durante anos a fio ninguém contou os trocos dos cafézinhos. A bica para acordar mesmo antes de pegar o serviço, o cafezinho a meio da manhã num intervalo inventado entre duas partes laborais inexistentes, o café antes do almoço e já agora que estou na rua (epá o relógio já marca uma hora!), vou mas é encher o bucho e venha de lá mais um café... com a conta por favor. Pois. Há qualquer coisa que não bate certo. Com o caneco - é loiça a mais. Ora façamos contas por baixo, para não dizerem que exagero, que sou bom economista. São 3 cafés diários. De acordo? 3 vezes €0.50 (cinquenta cêntimos...estou novamente a nivelar por baixo) o que perfaz uma diária de €1,50 (um euro e meio). Um ano de cafeína 365 vezes €1,50 = €547.5 (quinhentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos). Agora juntem um maço de tabaco por semana. (um maço de tabaco por semana? esse gajo está doido...fumo muito menos!). Vou fixar o preço do maço de Mauboro nos €3,50 (três euros e cinquenta cêntimos). Ora quantas semanas são? 52? É isso. 52 vezes €3,50 = €182 (cento e oitenta e dois euros). Ok. Já estamos a falar de dinheiro. De graveto de verdade. Tudo somado dá uma renda e meia, um salário. Face a esta constatação restará encontrar um regime alternativo. A cafeteira de escritório comparticipada (ou não) pelo trabalhador em regime de parceria privada-privada. Mas ainda não falei de outro tabu. Porque razão os Portugueses ainda têm vergonha do saco da merenda trazido de casa? Porque razão não vemos a sande caseira retirada da mala onde também está o Ipad? Nos outros países os executivos sentam-se no passeio, na entrada da sede e mordiscam a bifana sem pudor. Por vezes a gravata fica com nódoas que nunca mais saiem. Que chatice. Mas esse é o preço a pagar.

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publicado às 12:05

Estamos saturados disto!

por Faust Von Goethe, em 20.10.12

A nossa saturação já vai muito para além da austeridade e do “ que se lixe a troika”. Estamos mais que saturados dos discursos moralistas de Passos Coelho, das conferências enfadonhas de Vítor Gaspar, do patriotismo exacerbado de Paulo Portas, dos discursos parcos da oposição, da ataraxia de Cavaco Silva, assim como da inépcia de toda a classe política, em geral.

De uma minoria activa de descontentes, passámos a uma multidão furiosa encadeada pelos soundbytes da comunicação social, que tem semanas em que dispara contra governo e lobbies instalados, e outras em que nos tenta convencer que não há saída possível senão dar-se um passo em frente, mesmo sabendo que nos encontramos à beira de um precipício e que qualquer passo em falso pode significar a nossa desgraça. 

Errar é humano. Persistir no erro não é sinal de inexperiência [governativa]. É sinal de estupidez. E é esse o caminho que o governo chefiado pelo incumbente Vítor Gaspar pretende seguir “custe o que custar”, ignorando por completo os relatórios recentes da ONU assim como os reptos vindos da directora e do economista-chefe do FMI.

A substituição do aumento da TSU aos trabalhadores pelo agravamento e progressão nos escalões do IRS resume-se a mais do menos. A um saque aos rendimentos das famílias, a uma morte anunciada da economia de retalho que vive às custa dos pequenos comerciantes e dos consumidores, ao aniquilar de hipóteses de investimento, tanto a nível interno como ao investimento vindo do exterior. Por mais que Álvaro Santos Pereira e Assunção Cristas tentem vender que este Orçamento de Estado tem medidas que visam ao potenciar do crescimento económico e ao estimular do empreendedorismo em áreas como a economia e a agricultura, uma coisa ficou clara para aqueles que já tiveram oportunidade de ler as linhas gerais do Orçamento de Estado para 2013. Quem vai pagar os devaneios de Santos Pereira, Cristas e dos restantes ministros [empenhados em fazer obra] não é o investimento replicativo. São os contribuintes.

Para um governo prestes a celebrar ano e meio no poder, que tenta empurrar com a barriga as responsabilidades deste orçamento de estado hostil para a anterior governação-ou para a “festa socialista”, como lhe chamou Álvaro Santos Pereira- mas que quer tributar à força bruta grande parte dos rendimentos dos trabalhadores e empresas, está também a seguir a via do socialismo. É o chamado socialismo capitalista, mais à esquerda do que o socialismo preconizado pelos partidos de esquerda como disse há semanas João Duque, actual presidente do ISEG, e que esteve para ser ministro das finanças deste governo, o que não deixa de ser icónico e irónico.

Só há portanto um antídoto contra toda a contestação social encabeçada por ex-ministros [das finanças], por ex-presidentes da república e conselheiros de estado. Fazer cedências e renegociar o orçamento, antes que a sede de vingança palaciana tome o lugar da fome por se fazer justiça nas urnas.

O problema não está na rua, no folclore das manifestações, nos arraiais de professores não-contratados, nas vigílias dos novos desempregos em frente às empresas que abriram falência. Está em quem é o responsável pelo cumprimento do memorando e que tem a obrigação de zelar pelo consenso social alargado, assim como de saber o que está [realmente] a fazer.

A decisão da maioria parlamentar-encabeçada por PSD e CDS/PP em aprovar este orçamento pode ser vir a ser criticada partidos da oposição assim como a ser alvo de chacota em praça pública.
Governo, maioria parlamentar assim como partidos da oposição têm a responsabilidade de fazer um esforço herculeano para equacionar todos os cenários possíveis. A confiança dos cidadãos nos seus políticos precisa de ser restituída para que o consenso social seja mais que um simples contrato de circunstância. Para bem de Portugal e dos Portugueses, este terá de ser fidelizado na sua plenitude por governo, trabalhadores, patrões e restante sociedade civil. Porque a nossa margem de manobra ainda é curta para se renegociar o que quer que seja com a troika num futuro não muito distante. É que a teimosia de Passos Coelho assim como a insensatez de Vítor Gaspar e dos demais, pode vir a hipotecar o futuro do país dentro e fora de portas [e de Portas].

O regresso anunciado aos mercados- já em 2013-será apenas o princípio da retoma para alguns, em especial das corporações que operam no PSI20- como são os casos da PT e EDP que podem emitir obrigações para se financiarem a médio e a longo prazo. Para os restantes, a retoma passa essencialmente pela estabilidade fiscal, pelo [hipotético] investimento estrangeiro em Portugal e pelo captar pequenos e médios aforradores como forma de fazer face ao corte de financiamento por parte da banca. Porque nos tempos que correm, aqueles que p.e. emigram acabam por levar consigo o pouco que lhes resta, e não fazem intenções de enviar parte dos seus rendimentos para Portugal. A livre circulação de capitais assim como a globalização têm destas coisas.

Já que falamos de banca, permitam-me que faça um pequeno parêntesis sobre Fernando Ulrich e sobre as suas declarações em entrevista ao programa De Caras [na RTP1].  Aqueles que criticaram e se escandalizaram com as declarações de Fernando Ulrich, que se mostrou disponível para “absorver” e dar formação a alguns dos desempregados nos quadros do BPI ao invés de ficarem em casa a viver às custas de prestações sociais, deviam ter-se comovido por Ulrich ser um dos poucos empregadores em Portugal que se mostra preocupado em dar uma oportunidade a todos aqueles que por aí se queixam que ninguém lhes dá uma oportunidade para mostrarem o que [realmente] valem. Isto sim, poderá ser uma forma de se evitar que os nossos melhores quadros saiam de Portugal!

Se fizermos um voto de penitência colectivo, chegamos à conclusão de que a capacidade de gerar empregos a curto e médio prazo está nas mãos de grandes empregadores como Fernando Ulrich. Recusar que pessoas como Ulrich tentem dar o seu contributo para potenciar o emprego em Portugal, começando pela formação de base, não será apenas um grande problema para governo, mas também um problema nosso. Porque ter de emigrar e nunca mais voltar não é traição à pátria. É desistir da pátria. E por cada jovem emigrante que parte para destino incerto, é menos um jovem trabalhador a assegurar a sustentabilidade do estado social- ou será que ainda ninguém reparou neste pormenor?

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publicado às 14:10

Vossa Excelência...a Excelência de Portugal!

por John Wolf, em 16.10.12


Economia de Excelência (capítulo integral do livro - Portugal Traduzido - Edições Cosmos, 2008)

 

Ao abrir o capítulo, não posso deixar de pensar na expressão ‘milagre económico’ e questionar seriamente se tal será possível, ou se estaremos a blasfemar. A meu ver, a economia corresponde aos antípodas de um milagre. Ou seja, um milagre acontecerá por intervenção ou inspiração divinas, de forma gratuita e será dificilmente fundamentado por racionalidades. Ao invés, a economia encerra em si uma atitude de trabalho e é mensurável em termos objectivos e racionais. O que poderá aproximar a economia a um milagre prender-se-á com a ideia de inspiração. Por um lado, a fé obriga a uma procura interior de forças para a concretização de objectivos existenciais, enquanto a economia exige a contínua procura de soluções criativas para incrementar a produtividade e ganhar mercados. Em ambos os casos estaremos na presença de um ideal, enquanto propósito a atingir. Sem o contributo da força de uma imagem projectada, nenhum empreendimento poderá nascer. E essas imagens nascem no âmago do humano.

A economia, numa fase embrionária, assume-se com a tomada de consciência das diferentes e específicas necessidades humanas. Corresponderá ao reconhecimento de uma lacuna existencial, física ou não. A ideia de riqueza apenas surge na sequência ulterior do desenvolvimento da ideia criativa. Se somos bem sucedidos no preenchimento de uma necessidade humana, contribuímos então para o progresso de uma sociedade, e com a ocorrência de tal facto, a compensação financeira acontece enquanto retribuição pela qualidade oferecida. Somos desde já confrontados com o aspecto fulcral da ideia de economia. Trata-se da noção de que um processo genuinamente criativo tem de ocorrer no núcleo de uma sociedade, para que esta se converta numa sociedade produtiva, económica e geradora de riqueza. Um processo criativo será um processo excêntrico, pela integração de elementos exógenos à constituição genética e indígena de um dado problema, porque nem sempre a solução nasce no núcleo do problema ou desafio.

Poderemos considerar o processo criativo enquanto uma busca contínua de soluções. Tratar-se-á de um processo de outsourcing mental, através do qual o indivíduo procura ampliar o leque de possibilidades para uma dada dimensão ou desafio. Em resultado desta atitude assumidamente intelectual nenhum processo será finito e nenhum modelo económico poderá ser adoptado de forma integral e absoluta. A tarefa consistirá em inventar novas necessidades humanas que assumem sempre uma dimensão económica, mas não necessariamente a dimensão material ou física. Ao assumirmos a economia enquanto realidade cognitiva, para não utilizar a expressão virtual, teremos a oportunidade de gerar riqueza sem criar resíduos industriais ou infra-estruturas pesadas. A economia em Portugal ainda está algo obcecada com a ideia de infra-estrutura, seja grande ou pequena. Reconhecemos uma certa patologia da visibilidade da obra, através da qual se purga a abstracção da máquina produtiva. Ou seja a invisibilidade da ideia inovadora ‘invisível’ é compensada com a grande obra sólida.

A excessiva estratificação social em Portugal também minou o posicionamento profissional, pela forma como se faz a discriminação entre as diferentes funções da cadeia produtiva. Como se uns contribuíssem mais para a economia do que outros, de uma forma linear e não ponderada.

Teremos também de criticar a fantasia académica que assola Portugal, reino onde todos são doutores e têm ligações privilegiadas a decisores ou estruturas de poder. A ênfase é colocada na dimensão humana da economia, mas de forma negativa, traindo o ideal do mérito objectivo, numa sociedade onde supostamente ninguém se deve conhecer à partida. Tratamos aqui de uma sub-estrutura mental que deve preceder a operacionalidade da economia. Enquanto não se perceber que a economia deve ter origem numa ‘sociedade anónima’, corremos o risco de desvirtuar o sonho de geração de riqueza. Neste sentido, deveríamos tentar encontrar os valores humanos que foram suprimidos pela incompetência daqueles que foram já identificados e colocados em posições de privilégio. Paradoxalmente, encontramos as pessoas erradas nos locais certos, confirmando um erro de casting e desresponsabilizando a mediocridade profissional de quem pratica erros objectivos mas que continua a manter as suas posições porque conhece as pessoas certas, mas não as acertadas. Os despedimentos colectivos poderiam ser convertidos em despedimentos selectivos ou contratações específicas. O contributo negativo daqueles que desconsideram os seus semelhantes na estrutura produtiva contribui para minar o fundamento intocável da construção de uma sociedade económica colectiva baseada no mérito.

Torna-se curioso observar que a ‘luta de classes profissionais’ em Portugal ainda não é um assunto totalmente esclarecido. Observamos uma clivagem, entre a suposta aristocracia económica estabelecida e os recém-chegados, que não aceita que representantes da escalada económica e social venham a ocupar a sua posição. Uma dinastia económica ou rede de famílias dominantes não promove eficiência produtiva ou inovação económica se impede a entrada de novos membros ou talento na estrutura produtiva. Assistimos à substituição de valores económicos puros por mecanismos de troca de favores, o que contribui para o desleixo e incompetência na actividade produtiva. A economia não pode sobreviver à custa de famílias com tradição no ramo ou de lugares cativos em posições-chave. A economia vive sobretudo à custa da ruptura e mudança. Embora a história possa conceder lições ou exemplos relevantes, não serve o caminho do progresso e da abertura. ‘Ganhos passados não garantem rendimentos futuros’, nem currículos de supostos gurus do saber económico. A economia vive à custa de loucos e excêntricos que definem o que o consumidor jamais sonhou necessitar. O comportamento tímido e conservador dos empresários resulta da falta de ideias e criatividade. A economia, neste sentido, também representa uma manifestação de cultura e não será possível desenvolver soluções inovadoras se os que pretendem gerar riqueza não demonstram amplitude cultural para realizar a leitura da sociedade em que se inserem.

O processo de cultivo e optimização do saber implica cortes transversais nas relações socioprofissionais. Observamos em Portugal sintomas de mau relacionamento entre as diferentes classes sociais, ou se quisermos entre patrões e operários. O problema da economia em Portugal não é um problema de hardware (infra-estruturas física ou competências), mas sim de software (atitude). A alteração do programa mental que condiciona esse relacionamento corresponde a um processo exigente na medida em que obriga à rejeição de elementos que integram o carácter nacional forjado ao longo de séculos. O orgulho nacional, ou o passado histórico ‘glorioso’ de um país, representam bloqueios à prossecução de objectivos económicos, no quadro de um mundo descaracterizado onde a identidade nacional se vê diluída em nome da produtividade. A excessiva grandeza dos empreendimentos passados não contribui de forma equilibrada para a formação de um quadro mental sustentável.

Como então promover processos que possam facilitar a ousadia, o arregaçar das mangas e a criatividade? O estigma da ‘resposta errada’ representa uma patologia cultural a merecer uma cura definitiva, para que o processo criativo possa acontecer naturalmente. Ou seja, integrar na psicologia colectiva a possibilidade de não se acertar à primeira com a solução adequada, mas extrair desse processo lições válidas. O perfil orgulhoso da nação pode significar também o nefasto afastamento da infantilidade intelectual ou cultural, elemento necessário para erigir uma ideia criativa. As tentativas e erros que ocorrem no processo para encontrar as soluções adequadas, fazem parte do ‘track record’ de qualquer projecto. Elencar ou registar as contribuições negativas (as ideias aparentemente tolas ou absurdas) pode constituir um depósito de soluções para situações futuras. Condenar de uma assentada o indivíduo e a ideia proposta (que não serve de solução), contraria profundamente a ideia de evolução, progresso ou mesmo democracia.

De que forma então poderemos promover a salvação da metodologia construtiva de respostas numa sociedade? A tarefa poderá consistir em separar o objecto (ideia, projecto, conceito, modelo) do sujeito (indivíduo, autor, personalidade), distinguindo os aspectos formais dos materiais e pela exclusão dos elementos emocionais que condicionem a existência autónoma ou independente da solução criativa. Reforço a ideia de que a criatividade representa um fenómeno excêntrico, que mina os alicerces dos paradigmas dominantes e instalados. Poderíamos aceitar enquanto metodologia a identificação dos traços económicos da nação em função do carácter nacional, e adequar deste modo os eventuais modelos de desenvolvimento à personalidade colectiva.

Será Portugal um país vocacionado para a indústria, o turismo, para os serviços ou as tecnologias de informação? Qual o posicionamento possível da economia nacional no quadro global? Que inovações poderá Portugal esperar que representem vectores válidos para o crescimento económico?

Em função desta tipologia de questão, poderemos encontrar respostas para a descrição do perfil psico-económico da nação. E ao traçarmos as características económicas da nação, poderemos descortinar qual a medida da ambição nacional. Contudo e contrariamente, se aceitássemos esta ideia de perfil ou características dominantes estaríamos a limitar as infinitas possibilidades que se oferecem a um país. Um país deve decidir o perfil económico que quiser e álibis de desresponsabilização baseados no carácter nacional devem ser afastados. Uma economia será o que quisermos que ela seja.

Um país, ao projectar-se para além do tangível do momento, assume uma atitude de ambição. Por sua vez a ambição nacional só se ‘eterniza’ e passa de geração para geração se a riqueza criada pela mesma puder ser devolvida à sociedade. A ideia de riqueza em Portugal está associada à ideia de uma elite privilegiada que não entende este processo de reinvestimento noutras texturas socio-económicas, que constituem a garantia para a sua continuidade. Ou seja, as oportunidades geradas têm dificuldade em migrar daqueles que as possuem para aqueles que as desejam. Esta relação pode ter um efeito desagregador e desencoraja a escalada económica que muitos agentes ou indivíduos desejam realizar, porque não sentem o estímulo positivo da entidade bem sucedida e o seu contributo para o ideal anónimo. A noção de self-made man ainda não representa um modelo validamente reconhecido em Portugal, pela estrutura social. O abandono das origens humildes pelo indivíduo e a transformação de precariedade económica em sucesso continua a ser percepcionado de forma dúbia e com algumas suspeições. Este reflexo enraizado na psique nacional não será totalmente descabido, uma vez que poderá estar relacionado com o desvirtuar dos tempos ou ciclos normais de crescimento económico ou sucesso. O calendário de riqueza ou produtividade relaciona-se muitas vezes com planos marginais de enriquecimento rápido. Esta noção encontrará sem dúvida a sua origem no passado histórico de Portugal. A própria invenção nacional dos descobrimentos e a abertura das rotas de comércio global validou a ideia de enriquecimento rápido não resultante de actividade económica convencional e directa. Destrói-se deste modo um dos pilares da economia, a ideia de valor intrínseco, que não se deve confundir com o conceito de valor de mercado, que tem uma natureza mais psicológica ou especulativa. Ou seja, um valor intrínseco agrega os elementos dinâmicos e objectivos de uma economia que transcendem as vicissitudes conjunturais. A criatividade, a inovação, o valor, a durabilidade, a utilidade, a produtividade e a humanidade dos bens criados (a forma como servem o Homem).

A economia, tal como vem sendo explicada, não obedece a nenhum critério de nacionalidade, o que representaria uma doutrina nacionalista e que implicaria distinguir países com maior vocação económica de outros com fraca atitude produtiva. Será possível, contudo, assumir uma ideia de denominação de origem económica, elencando os atributos económicos exclusivos que definem um país e que são passíveis de gerar riqueza. A expressão ‘valor intrínseco’ poderá significar ou representar a pedra angular que condiciona a definição do projecto nacional para uma economia de sucesso. O seu significado precede a ideia de actividade produtiva propriamente dita, para preencher a dimensão sociológica e cultural de um país.

O que poderá significar então? Uma abordagem tradicionalista ou cultural da ideia de valor intrínseco poderá relacionar-se com a identificação de elementos que uma sociedade reconhece enquanto intocáveis ou invioláveis. Referimo-nos a tradições ou práticas que integram a resenha definidora da nação. Trata-se de elementos icónicos sem os quais a nação deixa de existir na sua afirmação, e na sua distinção de outras nações. Esses elementos, consubstanciados em práticas ou matérias provêm do percurso existencial da nação, e são fruto de uma amálgama com várias proveniências. Convém no entanto ressalvar que nem todas as tradições ou práticas culturais serão passíveis de conversão em valor económico. Poderá acontecer até que determinados vincos culturais ou tradicionais sejam mesmo contraproducentes. Uma das tarefas consistirá em proceder à eleição dos vectores culturais ou tradições que poderão veicular força económica ou (re)inovação.

A referência a cultura deverá ser entendida enquanto a atitude perante o conhecimento, que molda um quadro mental flexível e disponível para exercícios de adaptação a novos desafios. Aproximamo-nos de um conceito de cultura que poderá estar mais ligado às práticas enraizadas no comportamento económico de um país, e nessa medida entendido como um elemento condicionador da actividade produtiva. Ou seja, uma definição de cultura que revela a capacidade para reinventar a própria abordagem ao conhecimento sob um prisma económico.

O valor intrínseco reconduz-se a cultura e ao que acabamos de descrever, na medida em que se sublinha um sentido de procura de valores maiores, que integra a alma humana e que condiciona comportamentos. A cultura invoca essa grandeza de realização e a economia deve extrair lições desse vector construtivo.

O valor intrínseco comporta na sua génese ou matéria uma condição de imunidade perante os diferentes níveis de percepção de que possa ser alvo – há valores que perduram para além da vontade humana. Em termos económicos ou de mercado (relacionado com a ideia de percepção), consubstancia-se no preço atribuído a determinado bem ou serviço, mas que não corresponde ao seu valor intrínseco. O valor intrínseco corresponde ao intangível, que não pode ser apropriado de todo ou apenas por unidades de medida usados no mercado.

Convém no entanto salvaguardar que considerarmos a dificuldade da mensurabilidade do valor intrínseco. Quais serão as medidas válidas para determinar o valor intrínseco? Poderemos aceitar matrizes de classificação distintas para reconhecer que o valor intrínseco transcende a racionalidade pura. Mas mais importante do que a determinação da medida, será a tomada de consciência da sua existência. O reconhecimento por parte de um país da disponibilidade de valores no seu espaço determinará a vitalidade na prossecução de um ideal de progresso e crescimento sustentado.

Esta interpretação da importância de valor intrínseco poderá espoletar na economia um processo de reavaliação das prioridades. Não estará Portugal sentado sobre um manancial de valores intrínsecos convertíveis em significado económico e expressão de mercado?

Esses valores intrínsecos que devemos procurar identificar, andam a par de outro conceito determinante para a geração de riqueza. A excelência. Poderemos entender este atributo como pré-condição para qualquer actividade humana. Ou seja, a ideia de que cada indivíduo poderá imprimir um grau de exigência elevado na realização de qualquer tarefa ou na concretização de algum projecto, mesmo que os outros não o reconheçam ou identifiquem. O valor intrínseco será neste sentido, resultante da excelência, e teremos assim pelo menos duas variantes. Por um lado a identificação de valores intrínsecos provenientes da procura de excelência no passado (histórica), e por outro lado uma visão prospectiva, que promove a ideia de excelência enquanto alicerce para a criação de valor.

A transformação da substância em valor intrínseco depende da validação efectuada por gerações sucessivas, que sustenta a sua continuidade pela contínua melhoria dos seus atributos e pela descoberta de novas aplicações ou mercados. Portugal disporá já de um cabaz de valores intrínsecos passíveis de serem revalidados por novas apetências ou mercados, e paralelamente torna-se urgente inventar novas valias que resistam a sucessivos ciclos económicos que se vão encurtando. A economia nesta acepção ‘valiosa’ floresce à custa da excelência que procura criar ou dar continuidade ao valor intrínseco. A replicação ou adopção de modelos de negócio ou económicos de outras paragens, serve numa visão de valor não intrínseco e negação da excepcionalidade. Se uma economia defende a ideia de valores próprios e uma identidade somos reconduzidos à ideia de valor intrínseco, consubstanciada no conceito de denominação de origem económica – valores intrínsecos com uma origem claramente identificada.

Um dos princípios básicos de geração de riqueza, e utilizando uma acepção transnacional ou global, relaciona-se com a possibilidade de deslocação dos vectores positivos ou negativos de uma economia. Um dos vectores que se pode observar será a emigração, que constitui um exemplo de como uma sociedade se movimenta em busca do epicentro do valor intrínseco, transferindo a possibilidade de geração de riqueza de uma paragem para outra ou de um país para outro. A imigração por seu turno corresponde a um fenómeno de atracção, e à percepção de que existe valor intrínseco no território de destino, e esse facto, presente no espírito humano constitui um factor produtivo positivo, pela forma como a expectativa humana pode ser convertida em capacidade produtiva.

Os atributos do valor intrínseco que procuramos identificar poderá conduzir-nos a alguns ícones do ‘espólio cultural nacional’ passíveis de conversão em produtos e marcas com relevo à dimensão global. Esta via de inversão da lógica inicial da globalização significa que cada país terá a possibilidade de reforçar a ‘fixação’ da produção autóctone, contrariando os fenómenos de deslocalização dos meios de produção.

As actividades artesanais em Portugal, entendidas enquanto valores intrínsecos que perduram no tempo, nunca mereceram a atenção económica devida. A adopção de modelos de desenvolvimento ‘modernos’ e do norte da Europa contribuiu para que as práticas tradicionais ou nativas tenham sido excluídas do grosso do projecto económico nacional. E as artes tradicionais que se extinguem representam soluções tecnológicas e inovadoras provenientes do passado, e que se poderiam projectar no futuro. Reflectir sobre a importância das actividades artesanais representa antes de mais um exercício de proximidade cultural, na medida em que as populações mantêm nestas artes uma relação emocional, cultural e de saber, o que não acontece com as novas tecnologias, que carecem de um sentido de enraizamento ou tradição.

O exercício mental que propomos consiste em repensar a base económica de um país a partir da sua matriz artesanal ou cultural. Esta abordagem representa uma tentativa de ‘reinvenção da roda’, ensaiando o reaproveitamento de elementos considerados pouco dinâmicos ou produtivos. Mais importante do que a eleição dos elementos que devem merecer esta forma de processamento, poderíamos utilizar símbolos intensamente enraizados na cultura local para tornar possível este exercício de reinvenção económica. Para a população em geral, parada no paradigma cultural local (independentemente do seu contacto com o mundo globalizado) a ligação com as práticas artesanais será mais fácil, em termos afectivos ou emocionais, do que estabelecimento da ligação com a ‘cultura neutra’ das novas tecnologias. Alguns exemplos de ‘neo-artesanato’ poderão servir para provocar brainstormings conducentes ao desenvolvimento de bens ou serviços com finalidade económica. Os computadores e a internet, no contexto da própria alteração da noção de tempo, começam a preencher muitos dos requisitos que os transformarão em objectos artesanais globais.

Um primeiro exercício simples, e que aqui se lança enquanto desafio, poderia consistir em enumerar os bens, artes ou actividades em vias de extinção e que constituem valores intrínsecos geradores de riqueza. Confirmamos a falta de imaginação dos empresários portugueses, que não integram no seu pensamento empreendedor a ideia de simplicidade económica, o que os levaria a procurar no sótão relíquias com potencial valor económico. A maioria das necessidades humanas já terá sido inventada, e a banalidade da vida oferece-nos a possibilidade de voltar a vender conceitos ou produtos básicos.

O conceito relacional entre o antigo e o moderno (enquanto metodologia para descobrir ‘novos’ bens ou serviços), poderia representar uma forma de novamente fazer render velhos ofícios ou artefactos.. Os produtos com valor intrínseco são embaixadores da economia, pela forma como condicionam a percepção que os outros têm de Portugal. Com tanta alusão à glória cultural de Portugal e ao seu passado grandioso, não assistimos ao aproveitamento de um processo contínuo de depuração económica, que se poderia traduzir no desenvolvimento de soluções para nichos de mercado. A concentração na ideia económica de ‘fora para dentro’ significa o descurar dos valores nascidos e criados localmente.

Os velhos mestres portugueses representam o último reduto para a preservação das artes tradicionais, uma vez que ‘escolas para aprendizes’ não são instituídas. A baixa pombalina desenha essa matriz económica das artes que se vão perdendo nos tempos modernos. Os correeiros que refinaram o modo de fabrico de arreios para o sector equestre, não receberam o apoio devido no sentido de fornecer os mercados internacionais. O próprio sector em Portugal, que alberga mais de trezentos e cinquenta criadores, deveria ser uma ‘indústria pesada’ a ter em conta. Se observarmos a economia alemã e o peso que a exportação de cavalos de desporto tem no seu PIB, poderemos repensar o ex-libris que representa o Puro-sangue Lusitano, já descoberto pelo mundo enquanto produto exclusivo e com vocação para a alta competição de dressage.

Mas a questão estrutural que se coloca diz respeito a um processo de auto-estima económico e cultural. As artes tradicionais encerram em si o conceito já avançado de valor intrínseco. Será que Portugal pode combater na arena económica internacional com países ou sectores económicos, em relação aos quais se observa um distanciamento tecnológico muito marcado? Será desejável embarcar num comboio que partiu há muito? Portugal poderia aproveitar a sua tendência para a ostentação para servir os mercados de produtos exclusivos, criando novas necessidades de luxo. O golfe, que tem sido promovido como o ouro negro do Algarve, não gerou um efeito de spill-over, para além da ocupação hoteleira, que significaria o desenvolvimento da indústria de acessórios com marcas fortes e produtos de qualidade. Sem pretender ser exaustivo em relação a diferentes áreas que possam merecer desenvolvimento, teremos de apontar muitos dos atributos de excelência que se manifestam em Portugal. Os portugueses reconhecidamente sabem trabalhar o ferro, a pedra, ou o vidro. Por que razão estas artes não foram convertidas em ‘universidades’ e produtos inovadores reconhecidos como marcas de excelência? Recorrentemente confirmamos o não reconhecimento das oportunidades prospectivas para estas artes fortemente enraizadas no cabaz nacional de valores culturais.

A procura de ramos, sectores ou indústrias deve começar pela identificação das artes perdidas ou em vias de extinção. A questão que se coloca equaciona-se da seguinte forma: de que modo Portugal poderá tornar-se competitivo à escala global? Que produtos ou actividades de excelência conseguirão impor-se no quadro de um mercado global cada vez mais normalizado? A resposta a esta questão relaciona-se em grande parte, não com uma ideia de produto ou actividade, mas porventura com os atributos do workforce português. Um dos atributos indiscutíveis do retrato económico nacional será sem dúvida, a grande capacidade de mobilidade dos trabalhadores portugueses.

Poderemos afirmar que os emigrantes portugueses representam o melhor ‘produto’ nacional alguma vez exportado. Os migrantes e emigrantes portugueses demonstraram grande garra no tocante à elevação do seu nível de vida. A riqueza gerada pelos portugueses no estrangeiro, acaba infelizmente por servir melhor as economias de acolhimento do que Portugal. Uma extensão do conceito de valor intrínseco diz respeito a esta dimensão humana por excelência, a capacidade que os portugueses têm para se deslocalizar. Essa experiência económica, nas suas causas e efeitos, deveria servir para a aprendizagem relacionada com a inversão do fenómeno. Ou seja, Portugal tornou-se também país de acolhimento da força de vontade humana, mas ainda não soube converter a expectativa humana, o talento e o know-how dos imigrantes em valor real para a sociedade e a economia nacionais. De um modo preliminar poderemos avançar, que o capital humano em Portugal ainda não mereceu o reconhecimento e o tratamento devidos.

Por seu turno, a chegada de sucessivas vagas de imigrantes traduz-se no contínuo refrescar da capacidade intelectual e material de uma sociedade. Não compreender essa realidade constitui um entrave ao fluxo de ideias entre os diferentes segmentos do tecido social, português ou não. Os obstáculos mentais e culturais à chegada de elementos que questionam os paradigmas dominantes, devem ser substituídos por espaços abertos de recepção e aproveitamento de talento e atributos intelectuais. A redefinição do conceito de zonas económicas especiais poderia significar um fenómeno de atracção e fixação de elementos potencialmente geradores de riqueza.

Vamos supor que certas regiões do território nacional sujeitas ao fenómeno de desertificação ou desemprego possam criar condições para relançar o seu desenvolvimento. Para além da criação de zonas de compensação fiscal e da reduzida taxação de empresas, um certo ambiente intelectual poderia servir para alicerçar investidores e fixar membros da ‘comunidade cerebral’ que partem à procura de novas paragens mais vantajosas em termos económicos, académicos ou sociais. A deslocalização das grandes multinacionais para países do leste europeu ou para o sudeste asiático, deixando Portugal de mãos a abanar, poderia servir para repensar as formas de atracção de vectores produtivos. Se a redução das cargas fiscais para as empresas que pretendam fixar residência em Portugal, representar o modo de eliminar o desemprego em determinadas regiões, então será sempre uma opção viável, uma vez que serão os trabalhadores a beneficiar com salários dignos, e esses rendimentos, estimulando o consumo privado e directo, significa a permanência no território de valores financeiros importantes.

Poder-se-ia desenvolver um conceito de on-shore através do qual se implementam processos de reequilíbrio estrutural, condição necessária ao crescimento sustentado. O Estado, enquanto beneficiário dos impostos e taxas das grandes multinacionais acaba por não devolver os meios financeiros aos trabalhadores que são duplamente contribuintes (pela oferta de mão-de-obra e pelo pagamento de impostos), negando deste modo a possibilidade aos trabalhadores de eventualmente se lançarem no domínio da livre iniciativa empresarial.

As empresas mais sólidas a nível mundial tiveram quase sempre uma origem modesta, familiar ou mesmo individual. A economia não representará uma entidade abstracta. Cabe a cada indivíduo reinterpretar o mundo que o rodeia e repensar o que significa a criação de valor. E a riqueza que se gera terá apenas um destino. A sua devolução à sociedade. Cada indivíduo, independentemente da sua função económica, do seu know-how ou grau de instrução, tem um papel importante a desenvolver na geração de riqueza. O denominador comum de qualquer processo da economia será sempre a procura de excelência. Faça a sua escolha. Produza excelência.

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publicado às 11:36

Entrevista de Campos e Cunha ao jornal i-vale a pena (re)ler!

por Faust Von Goethe, em 08.10.12

Felizmente, há ainda pessoas neste país que valem a pena ser lidas e/ou ouvidas. Uma delas é Luís Campos e Cunha que este fim-de-semana deu uma [excelente] entrevista ao Jornal i, a qual tomei a liberdade de transcrever abaixo.

Boas leituras!


Adenda:

  • As perguntas/respostas da entrevista destacadas [abaixo] a vermelho vão ao encontro do que escrevi no post A austeridade compensa?
  •  As perguntas/respostas da entrevista destacadas [abaixo] a verde vão ao encontro do que escrevi no post A Salvação e a Crença

Luís Campos e Cunha deixou o governo Sócrates poucos meses depois de ter aceitado a pasta das Finanças, por discordar dos “investimentos faraónicos” que começaram a ser planeados depois de diversos cortes e do aumento de impostos. Mas não gosta de falar sobre isso. O professor catedrático lamenta que as empresas privadas tenham “uma grande relutância em afrontar os governos” e diz que “o Estado tem uma capacidade quase infinita de pressão sobre as empresas privadas e de iniciativa privada”. Antes de falar sobre o “enorme aumento de impostos” anunciado por Vítor Gaspar, falou, em off, de futebol. É que mais tarde jogou o seu clube, a Académica [empatou 1-1 com o Hapoel] e aproveitou para fazer uma graça sobre os leões. “Sabe qual é o único 11 pior que o do Sporting? É o 11 de Setembro!”

Assim de repente pensei que me ia dizer que era o onze do PSD…

[Risos] Também podia ser.

Neste governo jogam todos os ministros ou alguns deviam ficar fora?

É provável. Penso que algumas pessoas poderão ter revelado imaturidade em termos vivenciais e existenciais, o que as levou a ter atitudes precipitadas em determinadas decisões. Não estão a falar de ninguém em particular, mas um face-lifting poderia ajudar.

Acredita numa remodelação ou este governo vai cair?

Eu espero que o governo não caia, por uma razão muito simples: este governo tem obrigação de governar. Foi eleito, tem um programa, o país está numa situação dramática e esta coligação tem a obrigação de conduzir os negócios do país. Nesse sentido, espero que o governo não caia.

O governo tem, de facto, um programa? Já o percebeu?

O ministro das Finanças procurou explicar, e penso que explicou de uma forma clara, as opções de política. E acho que é, apesar de todas as críticas que lhe possam fazer, um grande activo deste governo.

Quinta-feira, na Assembleia da República, a oposição dizia que o governo foi eleito com um programa que está a falhar em toda a linha. Isso retira-lhe legitimidade para governar?

A política portuguesa está cheia de casos de dissonância cognitiva, em que se promete uma coisa numa altura e no dia seguinte se faz o seu contrário. E isso é grave para a política portuguesa e certamente é uma situação em que se encontram os partidos do governo, que, de uma forma talvez um bocadinho simplista, pensaram que só com o corte da despesa seria possível consolidar as finanças públicas.

E não é?

Não. Houve um grande corte da despesa este ano, é verdade, mas foi fundamentalmente – dois terços – baseado no corte do 13.o e do 14.o mês, corte a pensionistas e a funcionários públicos, que são, matemática e economicamente, o mesmo que ter um imposto especial, e portanto injusto para funcionários e mais injusto ainda para pensionistas. Acho que é particularmente gravoso o problema de se ter mexido nas pensões.

Porquê?

Porque isso cria uma incerteza brutal a todas as famílias, todas as pessoas que têm hoje 40, 45, 50 anos, que começam a ter dúvidas sobre qual será o seu futuro daqui a 20 anos. E nessa altura arriscarão menos, têm medo, têm receio, e isso não só lhes causa mal-estar como certamente tem consequências económicas, porque deixam de consumir e deixam de investir.

Como se pode reduzir rapidamente a despesa pública?

A única, ou a principal solução para reduzir as despesas do Estado é fazer uma espécie de PRACE [Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado] a sério. Porque as gorduras não estão nas chefias, não estão nos directores-gerais, o desperdício está cá em baixo. E está desigualmente distribuído, ou seja, há repartições muito bem geridas e com bons chefes e há divisões onde isso não acontece, pelo contrário. Deveríamos, além disso, ter uma discussão séria sobre as funções do Estado, sem as quais navegamos sem estratégia.

A sua experiência diz-lhe quais os organismos mais mal geridos?

O chamado Estado paralelo: todos aqueles institutos, observatórios, etc. É preciso ir a cada um desses organismos ver onde estão as gorduras e cortar aí. É aí que se faz a verdadeira reforma do Estado. Porque muito do Estado está a trabalhar para si próprio, está a fazer papéis para a repartição ao lado. Estamos a viver uma situação muito difícil, dominada pelo medo e pela incerteza. A SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social publicou há dias um estudo que mostra isso: os portugueses vivem numa incerteza e num stresse brutal, que depois se reflecte no seu dia-a-dia e também no desempenho da economia. Uma sociedade dominada pelo medo não investe, não aposta. Há sociedades que são dominadas pela esperança.

Como é que se pode mudar isso?

É importante que as políticas públicas sejam bem apresentadas, seja claro aquilo que é permanente e aquilo que é temporário. Tudo o que é temporário deve ser aprovado junto com o Orçamento do Estado e todas as alterações permanentes, nomeadamente os impostos, devem ser aprovadas antes do Orçamento, que é uma lei que dura apenas um ano. Os impostos têm de ser previsíveis para haver investimento, nacional e estrangeiro. Para as medidas que são temporárias é importante dar logo o calendário indicativo de quando vão acabar, para as famílias e as empresas poderem fazer planeamento. Isso reduz o stresse e aumenta o bem-estar e melhora o desempenho da economia.

Mas nada disso está a acontecer?

Infelizmente não. O caso da TSU – Taxa Social Única é o mais evidente e o governo continua permanentemente a chamar a atenção para aquela que considera ser uma boa solução, e no fundo parece estar a dizer que mais cedo ou mais tarde pode voltar a haver algo parecido. Uma vez mais aumenta o desconforto e os comportamentos económicos recessivos.

Concorda com as alterações em matéria de IRS?

O aumento do IRS tem a vantagem de apanhar toda a gente por igual e englobar todo o rendimento, pelo menos do trabalho e rendimentos prediais. Não estou a cortar numa pessoa que tem 3 mil euros de reforma e que pode ser a única forma de rendimento da família versus outra que tem a mesma reforma e que tem, por hipótese, outros rendimentos associados. Com o IRS é mais justo e prova aquilo que eu disse desde o início, que cortar apenas nos funcionários públicos e nos pensionistas é apenas ter um imposto especial.

Mas recai sobre aqueles que já pagam mais...

Não se pode levar muito longe a progressividade dos impostos por uma razão muito simples, é que Portugal tem pouca gente rica, se tivesse muita era mais fácil, por isso não se pode reduzir muito a base de incidência. É o dilema entre a equidade, por um lado, e as receitas que são necessárias para satisfazer os compromissos internacionais em termos orçamentais, por outro.

As medidas anunciadas por Vítor Gaspar foram bem explicadas?

Devia ter dado exemplos de situações familiares concretas para termos uma ideia aproximada do que aí vem. A única coisa que sabemos é que o IRS vai subir substancialmente, e cada um de nós precisa de começar a fazer contas… Lembro que 17% dos portugueses já tinham experienciado, não há muito tempo, momentos de dificuldade para comprar comida nos últimos 12 meses, o que significa que 17% dos portugueses já passaram fome algum dia. Cerca de dois terços das pessoas diziam que se aparecesse uma despesa extra e não esperada de mil euros não tinha maneira de a pagar. É bom que os consumidores e as famílias possam prever o que aí vem em termos de IRS para poderem desde já começar a tomar medidas para fazer frente a esse aumento de impostos.

A TSU foi a única medida que o governo anunciou como sendo de estímulo à criação de emprego, ao crescimento da economia. Isto não é muito pouco?

Eu, como economista, como cidadão, sou totalmente contra as alterações à TSU tal qual foram anunciadas. Se me pergunta por um estímulo à economia, penso que o Estado devia pagar a tempo e horas. Essa é a melhor solução, primeiro porque o Estado deve ser pessoa de bem e dar-nos o exemplo – se eu atrasar algum pagamento o Estado penaliza-me. Segundo, pagando tarde e a más horas o Estado está a financiar-se à custa das empresas – devia ser o contrário.

O governo ainda não anunciou uma medida de crescimento económico...

Na situação orçamental que temos não há qualquer hipótese de haver estímulos à economia que de alguma forma impliquem aumentos de despesa ou diminuição de receita. Não pode ser. Infelizmente é assim porque o Estado foi à falência com base nas políticas seguidas, em particular desde 2008, pelo engenheiro Sócrates. E não esqueço quem nos levou à bancarrota.

Quais as medidas que podem ser positivas e não custar dinheiro?

A reforma da justiça, a reforma da educação, diminuir a burocracia, criar formas expeditas de licenciamento, autorizações, tudo isso são medidas que não têm impacto orçamental.

Um dos problemas da austeridade é que as pessoas não conseguem ver o fim dos sacrifícios pedidos ou sequer resultados...

Na situação dramática que estamos a viver dar esperança é mostrar que há medidas que são temporárias, é dar horizontes, marcar objectivos. Isso permitiria que o povo português percebesse para onde vamos. Os compromissos com o povo português devem ser tão respeitados como os compromissos que Portugal e o governo têm com a troika. A sondagem da SEDES mostra que os portugueses acham que os sacrifícios são inúteis.

E são?

Penso que neste momento não temos alternativa, globalmente falando – e depois poder-se-ia discutir medida a medida. Eu gostaria de ver mais cortes na despesa a sério, que é aquela de que já falei, repartição a repartição, hospital a hospital. E tem de se trabalhar com as pessoas que lá estão, porque elas é que sabem onde estão as gorduras, e isso leva tempo.

Temos tempo?

Bom, já se perdeu um ano e meio. Já devia ter começado… Todos os governos são muito pressionados pelo urgente, mas o importante geralmente não é urgente. O importante é aquilo que é mais a prazo e aqui a actuação tem sido dominada pela urgência e menos pela importância.

Disse há pouco que não se esquecia que foi Sócrates que levou Portugal à falência. Fez parte do primeiro governo, de que saiu passados apenas alguns meses, evocando motivos pessoais e familiares…

Não fui eu que invoquei, foi o primeiro- -ministro que o afirmou num comunicado, que não desmenti.

Foi possível prever o caminho que iriam levar as contas públicas?

Eu não quero falar sobre o que aconteceu exactamente, mas tínhamos acabado de aumentar a idade da reforma, aumentar impostos, fazer cortes na despesa e no dia seguinte estavam-se a anunciar projectos faraónicos: TGV para tudo quanto era sítio, um novo aeroporto, mais uma ponte sobre o Tejo, uma terceira auto-estrada Lisboa-Porto… Não era para mim, isto.

Hoje o escrutínio da classe política é mais apertado?

Estamos a viver uma crise orçamental, uma crise financeira, uma crise económica, uma crise social, mas por trás disto há uma crise política. As instituições democráticas em Portugal não estão a funcionar como deve ser. E só poderemos resolver de forma duradoura os nossos problemas quando tivermos a coragem de alterar regras fundamentais de funcionamento da nossa democracia.

Por exemplo?

Estou a pensar na lei eleitoral – sou favorável a um sistema tipo escandinavo, que não tem nada a ver com círculos únicos, em que se possa seleccionar e cortar nomes de pessoas, porque assim os partidos têm obrigação de apresentar nomes de gente com reputação e qualidade. Estou a pensar no financiamento dos partidos – deve ser fundamentalmente, para não dizer exclusivamente, público. É com o financiamento escamoteado privado que pode entrar a corrupção. Estou a falar de transparência na relação entre o Estado e as empresas – todas deviam ter nos seus sites as isenções que têm, todos os contratos que fizeram com o Estado, quanto custaram, os subsídios que receberam, incluindo de Bruxelas. Nada disto custa dinheiro e o que se torna público permite o escrutínio e ao permitir o escrutínio vai contribuir para a democracia funcionar melhor.

Os eleitores questionam-se muitas vezes sobre a sua representatividade real por parte dos políticos...

Os votos em branco – e não as abstenções – deviam estar representados no parlamento por lugares vazios. Tinha duas vantagens. A primeira era trazer pessoas que não votam para dentro do sistema – qualquer dia temos uma vastíssima maioria de pessoas que nem vota, e isso é muito grave do ponto de vista da legitimidade democrática. Em segundo, levaria a que os partidos competissem entre eles, mas também que ganhassem confiança do seu eleitorado. Assim eles estão relativamente indiferentes ao aumento da abstenção. Além disso, uma pessoa – e já me aconteceu a mim – que vai votar e vota em branco tem, politicamente um voto muito significativo, quiçá mais do que votar num partido, porque significa que não dá confiança a nenhum dos partidos. No entanto, é democrata e foi votar. Mas hoje esse voto soma às abstenções, o que é uma mentira.

Falou em vergonha, como uma coisa própria das “boas pessoas”. Os nossos políticos têm vergonha?

A política portuguesa e a actividade pública de muita gente passa por não ter vergonha. Há muitas pessoas que só estão lá porque não têm vergonha, não digo que sejam todas. Os políticos só fazem as reformas quando sentem a pressão da opinião pública e publicada. Veja-se o caso da TSU, que caiu graças a um conjunto de factores: manifestações, opinião pública, Conselho de Estado…

Como vê a actuação do Presidente da República em toda esta discussão à volta do governo e da austeridade?

O Presidente da República tem gerido bem esta situação, uma actuação de 20 valores! Tentou, e terá conseguido, acalmar a tensão que havia na coligação, e isso é importante porque a governabilidade do país é fundamental. Nós não podemos ter uma crise política. Marcou um Conselho de Estado com grande antecedência e isso deu tempo e permitiu que o governo corrigisse o tiro e alterasse a sua posição. O Conselho de Estado foi um não evento, mas foi fundamental para o governo salvar minimamente a face.

Piegas, ignorantes e outros epítetos a par de algumas gafes. Este governo tem um problema de comunicação?

Eu não sou daqueles que acham que isto é um problema de comunicação. É um problema de comunicação porque muitas vezes há um problema de substância. Quando se perguntou quando é que o 13.o ou o 14.o mês seriam repostos ninguém no governo sabia e as respostas foram contraditórias e houve uma grande confusão, o que significa que nunca tinham pensado obviamente no assunto.

Há um limite para a austeridade?

Há um limite, mas tenho de conhecer os detalhes todos – que ainda não foram divulgados –, para saber se o governo já ultrapassou esse limite.

O governo tem margem de manobra para renegociar o empréstimo com a troika e, se sim, deve fazê-lo?

Há dois factores aqui, mas não estou envolvido nas negociações. Tenho dificuldade em perceber que a postura pública do ministro das Finanças possa ser outra que não a de que o acordo é para cumprir tal qual está. Se em privado e nas negociações com a troika o governo devia ter esta postura, eu acho que não.

O que seria o ideal para 2013?

Provavelmente fazer algumas alterações necessárias para compensar os cortes do 13.o e do 14.o mês, que concordo, aliás, que sejam inconstitucionais e, no caso das pensões, ilegítimo. É, neste caso, um contrato imposto pelo Estado e uma promessa de que o trabalhador receberia um valor quando passasse à reforma e foi alterado unilateralmente. E está-se a afectar pessoas que já não têm capacidade de alterar a sua situação devido à idade. Eu gostaria que para 2013 se fizessem as alterações no IRS necessárias para se poder alterar a situação nomeadamente dos pensionistas, mas que fosse neutra do ponto de vista do saldo orçamental, e deixar a economia respirar um pouco, porque em 2012 já tivemos uma dose brutal e a prova disso é o PIB cair 3% ou mais este ano. Podia ser que não cumpríssemos os 4,5%, mas com alguns cortes na despesa podíamos chegar lá perto e uma pausa no aumento de impostos era bem-vinda. Mas um Estado sobreendividado é um Estado que não é livre.

Os juros podiam ser renegociados?

O mais irónico disto tudo é que se nós viermos a pagar – vamos pensar que o caso português é um caso de sucesso e que estamos já em 2016 –, a Alemanha fez um óptimo negócio: endivida-se a 1,4% ou 1,5% e está a cobrar-nos 4,5%. Também penso que alguma alteração poderia ser feita (e quem diz a Alemanha diz a França e os países que nos emprestaram dinheiro)...

Passos Coelho afirmou ontem na Assembleia da República que ou era isto e conseguíamos os financiamentos, ou era a saída do euro. Tem de ser assim?

Nos anos 70, Nova Iorque foi à bancarrota e ninguém disse que tinha de sair da zona dólar. E a cidade é mais importante no contexto americano que Portugal alguma vez será no contexto da zona euro. Não tem de sair, mas se cessarmos os pagamentos não tenho dúvida que temos problemas não para quatro ou cinco anos, mas para 20. Nem quero falar nisso que é mau agouro, não pode acontecer. Veja o que aconteceu à Grécia.

E nós não estamos a caminhar para lá?

Não estamos ainda em porto seguro, mas espero que estejamos a aproximar-nos. É preciso continuar o esforço de consolidação orçamental. Globalmente falando, este é o único caminho.

Em Junho de 2014 a troika estará fora de Portugal, como diz Vítor Gaspar?

Não tenho a certeza que isso aconteça, mas Vítor Gaspar é ministro das Finanças, não pode dizer outra coisa e tem de se comportar como se acreditasse e trabalhar nesse sentido, mesmo que tenha dúvidas.

A Europa tem capacidade para resolver um problema muito maior que Portugal ou a Grécia?

Há problemas de curto e de médio prazo. A curto prazo, penso que Mario Draghi [governador do BCE] está a actuar bem e só peca por actuar demasiadamente devagar, mas a política monetária expansionista que o BCE tem seguido não está a chegar a Portugal nem à Espanha nem à Itália. E o próprio banco central tem de ter mecanismos excepcionais, porque tem de garantir que a política monetária expansionista chega a todos os países da zona euro, e portanto faz todo o sentido que, apenas nesta situação excepcional, compre dívida pública destes países. Outro aspecto importante era o banco central europeu acalmar qualquer acontecimento grave que possa existir num determinado banco, e estou a pensar no caso espanhol, em que os bancos estão agora sob suspeita. A este nível penso que podia e devia fazer mais.

E a longo prazo?

Temos de pensar em formar os Estados Unidos da Europa.

E isso é possível com estas pessoas?

As instituições democráticas estão em crise um pouco por todo o lado, talvez o caso português seja mais grave. Há 20 anos tínhamos Jacques Delors na Comissão, agora temos Durão Barroso, tenhamos Helmut Kohl na Alemanha, agora temos Merkel, tínhamos François Mitterrand em França, até há pouco tínhamos Sarkozy… Políticos com outra estatura, com outro estatuto e passaram apenas 20 anos. Isso significa que não é só em Portugal que temos de ter renovação da classe política, mas também na Europa. Mas há cada vez menos líderes e o drama é que não vejo que estejam dispostos a entrar na política.

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publicado às 09:25

Austeridade, vai-te lixar!

por John Wolf, em 06.10.12

 

Para além de gritar desalmadamente, bater na mesma tecla de protesto, cabe à sociedade cívil pôr em prática alguns antídotos para a austeridade. A subida de impostos está efectivamente a retirar poder de compra aos consumidores. Embora a designação não seja a utilizada, assistimos a inflação. Inflação de preços por um lado, e numa escala Europeia, a inflação na sua acepção mais pura. Ou seja, o aumento da base monetária por via directa ou indirecta de impressão de divisas, ou compra pelo BCE de títulos de tesouro de países em apuros. De qualquer modo o resultado das acções (des)concertadas é idêntico; o rendimento disponível dos cidadãos está a minguar. O preço de um litro de leite ou de um par de sapatos já aumentou sem que alguém tenha acrescentado zeros à etiqueta. Como a reposição da riqueza não cabe ao Estado, uma vez que o seu papel fundamental consubstancia-se na transferência de rendimentos, dando expressão a uma boa parte do contrato "colectivo" ou "electivo", ou seja,  justiça económica e social, cabe  à sociedade civil tomar a iniciativa. Os intervenientes que vivem e operam no mercado, estão obrigados a encontrar soluções que promovam o crescimento e emprego. Nessa medida, os agentes económicos que competem pela mesma quota de mercado, devem proceder a reduções drásticas dos preços dos bens e serviços que oferecem. Numa primeira fase, observaremos assimetrias no comportamento económico, que alguns chamarão de concorrência desleal. Mas a vantagem competitiva faz parte da natureza humana, está entranhada no DNA e vem à tona em momentos de desespero, de crise. Deste modo, e a título de exemplo, o café da esquina deve baixar o preço da bica aos 30 cêntimos, provocando desse modo uma procura acrescida, e, embora a sua margem seja menor, tal facto será atenuado pela procura - uma casa apinhada de clientes ávidos por realizar uma poupança, aumentando deste modo o seu rendimento disponível. A cultura económica europeia fortemente dependente de soluções vindas de cima, e sempre queixosa dos constrangimento da lei, tem de alterar rapidamente o seu quadro mental, a sua forma de interpretar as regras do jogo. Se ficar à espera da bonança, mais vale ficar sentado no banco do jardim à espera de melhores dias que não virão. Neste momento, distintas dimensões que serviram para medir os tempos económicos estão em rota de colisão. O desemprego que se assume como conjuntural, está em mutação para se tornar um residente com um visto de permanência mais próximo dos 10%. E este facto vai provocar rombos no conceito de segurança económica e social. Jamais regressaremos ao passado de relativo conforto de uma percentagem "aceitável". Nessa medida, o Estado deve rever a sua matriz filosófica, o seu modo existencial, e instigar a ideia de transferência voluntária. E é aqui que reside o problema. Como se pode dar o que se não tem.

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publicado às 13:33




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